Gustavo Gracitelli – CEO do Bynd
A nossa necessidade de se deslocar continuamente pela cidade faz da mobilidade uma das problemáticas mais urgentes da vida urbana. Nos movemos pela cidade para trabalhar, estudar, fazer compras, atividades de lazer, estar com as pessoas que amamos. Nos deslocamos muito e diariamente. E o crescimento das cidades só aumenta o volume de pessoas se movendo e, consequentemente, intensifica a problemática. Durante anos, investiu-se em rodovias, avenidas, pesquisas e propagandas apostando no carro como resposta para tudo e, com o tempo, o grande volume de carros (que apesar de alto nunca foi acessível a todos), trouxe outros desafios: trânsito intenso, poluição do ar e sonora, doenças no corpo e na mente, acidentes, poucas opções alternativas de transporte e baixa qualidade do transporte público. Problemas que são uma realidade comum e que impactam diretamente todas as pessoas que vivem em grandes cidades. Se esse é também o seu caso, você sabe do que estou falando e provavelmente vive rotineiramente muitos desses problemas.
Muito se fala sobre como resolver os desafios de mobilidade sem abandonar completamente ou vilanizar o carro (que ainda existe aos montes), dado que ele é produzido por indústrias fortes e de fato tem a sua função. Nessa busca, vejo que os fóruns de mobilidade e futuro tem trazido apenas as grandes inovações tecnológicas como soluções definitivas, são sempre conversas sobre carros autônomos para aumentar a eficiência do transporte, drones para dar conta de demandas logísticas e entregas, trens de alta velocidade, baterias de longa duração, entre outras soluções ainda distantes da realidade cotidiana. Eu também cresci vendo os filmes nos quais um protótipo de carro voador é sempre empolgante, mas quanto tempo ainda levará para essas ideias se tornarem nossa realidade? E o que me intriga mais é: o que fazemos então de hoje até lá? Parece sempre que estamos sendo convidados a sentar e esperar passivamente a revolução acontecer enquanto mantemos hábitos ultrapassados, mesmo diante das evidências.
Para mim, torna-se então urgente pensar, criar e expandir a conversa sobre a mobilidade do presente, voltando-se para as muitas soluções que já existem e que geram impacto positivo imediato, diminuindo o problema agora. E quando digo expandir a conversa também estou considerando ir além dos atores normalmente já envolvidos, como poder público e sociedade civil. É fundamental incluir o setor privado. As empresas têm muita participação na criação do problema e podem, por isso, ser o centro da solução.
Mais da metade dos deslocamentos de uma cidade é motivada pelo trabalho, seja o casa-trabalho-casa ou o deslocamento para uma reunião, evento, aeroporto. Metade de todos os deslocamentos é muita coisa. Levando esse cenário em conta, no ano passado desenvolvemos (junto com diversos parceiros) o Índice de Mobilidade Corporativa, um estudo pioneiro que se propôs a avaliar as empresas sob a ótica da mobilidade e, através dele, fizemos também um estudo qualitativo mergulhando nas experiências de deslocamento casa-trabalho de pessoas diversas da região metropolitana de São Paulo. O resultado da pesquisa qualitativa aponta que o impacto do deslocamento é grande e imediato na saúde dos profissionais, na produtividade da empresa e na dinâmica da cidade. Ele também aponta que uma política de mobilidade construída centrada nas pessoas e possibilitando a escolha, constrói desenvolvimento sustentável, contribuindo para o atingimento das metas de múltiplos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) da ONU, Agenda que vem mobilizando milhares de pessoas e o setor privado por todo o mundo. Assim, além desse tipo de ação gerar impacto positivo na saúde, na produtividade e na cidade, ainda gera valor ao construir o posicionamento das empresas na prática. Por sua vez, a parte quantitativa do estudo, que avaliou práticas de mobilidade corporativa vigentes e ranqueou as empresas respondentes, mostra que apesar da grande oportunidade e potencial de impacto a partir de uma política de mobilidade, muito pouco ainda é feito. A título de exemplo, a nota do índice vai de 0 a 5 e a melhor empresa atingiu apenas 3 pontos, ou seja, há muita oportunidade.
Entre as muitas possíveis soluções que podem fazer parte de uma política de mobilidade corporativa integrada e eficiente, a que venho construindo mais ativamente e que tem sido considerada inovadora mesmo sendo algo super antigo, é a carona. Essa minha escolha vem de uma percepção de que a carona é a maneira mais barata para destravar a mobilidade, basta que as pessoas queiram compartilhar seus deslocamentos, uma vez que a taxa de ocupação dos carros (em São Paulo) é de 1.2 pessoas por veículo – o que significa que cada carro trafega na cidade com 3 a 4 assentos livres, ociosos, desocupados! A escolha de trabalhar promovendo a cultura e facilitando a prática da carona se deu pela oportunidade de mudar a experiência com o deslocamento para o trabalho, mudando a forma como a gente usa o carro. E potencialmente, tirando carros das ruas hoje!
É claro que a carona não é uma escolha fácil, já que envolve uma mudança de comportamento. No entanto, é necessário ser ousado e comprometido para que ações como essa aconteçam e todos sejam beneficiados. Ousadia para mudar a rotina, sair da zona de conforto e realizar novas conexões. Comprometimento para criar e difundir novas formas de locomoção, como as caronas, pensando no todo e não só em si. Após analisar o quanto as nossas decisões individuais impactam no coletivo, precisamos nos comprometer com a mudança.
Claro que essa mudança é lenta, mas precisamos começar! E eu acredito profundamente que a transformação pode acontecer a partir hoje, que podemos escolher ter hábitos e atitudes que constroem esse futuro desejável ao invés de seguir construindo o futuro caótico que vemos todos os dias ao sair de casa. Como cidadãos que somos, temos que agir, ser parte da solução e transformar as nossas cidades. Acredito também que as empresas têm uma grande oportunidade nas mãos, a oportunidade de revolucionar a mobilidade das cidades e, por consequência, melhorar seus indicadores de saúde, bem-estar, qualidade de vida, integração de colaboradores, retenção e atração de talentos, entre outros. Indicadores que hoje tem apresentado enormes desafios para o RH em qualquer grande empresa. E o assunto não se restringe ao RH, é também sobre sustentabilidade, comunicação, marketing, posicionamento e sobretudo negócios!
Por fim, fica o convite: vamos escolher ser parte da solução e construí-la ativamente? Vamos de carona?